segunda-feira, 21 de maio de 2007

Desequilíbrio social: pressuposto da violência

Cícero Filho *


A humanidade, de forma recorrente, atravessa momentos extremamente difíceis. Por todos os cantos se prolifera a incompreensão, o ódio, a miséria, enfim, o sofrimento humano em suas mais diversas formas, apontando a necessidade de refletirmos acerca do nosso papel como seres de uma espécie que necessita viver em grupo, entretanto, amiúde vilipendia a sua própria existência.
Conflitos religiosos, políticos, econômicos, étnicos, são inúmeros os motivos da aflição. No Brasil, em particular, um fator é preponderante: o desequilíbrio social. Cada vez mais a ganância é o alimento do poder, a fome e a desgraça de muitos geram a riqueza e a fartura de poucos, a dor incansada dos que sofrem para viver ou vivem para sofrer, fomenta o sorriso solapado dos ditos senhores próceres da nossa sociedade. E assim sendo, urge uma pergunta: até quando?
O ser humano é formado de sentimentos, vontades e sonhos, independentemente de sua classe social, é ser humano! E como tal busca a felicidade e tem direito a ela. O desemprego, a angústia da exclusão, a ausência das pequenas coisas, a impossibilidade de uma vida digna, com certeza são fatores que geram a violência que atinge todas as camadas sociais. E a paz, eterno objeto dos demagógicos discursos eleitoreiros, é cada vez mais imperceptível no mundo real.
E assim, como convivermos numa sociedade tão desigual? Como a-creditarmos no fim da violência quando ainda não erradicamos a fome? Se não oportunizamos aos mais desabonados o mínimo de respeito; como cobrarmos deveres a quem nunca foi dado direitos? A quem nunca foi à escola e jamais teve uma chance de escolher seu próprio destino, vivendo sempre sob a mira dos olhares desdenhosos que exalam supremacia e impõem subserviência. Atentai – em regra ninguém nasce bandido, torna-se.
Contudo, não desejamos ser excessivamente bons com aqueles que inobservaram o imperativo legal. Que assim não se entenda, pois não é o objetivo. Diversamente, é autodefesa. É a busca de uma solução racional que possa frear essa desgovernada locomotiva da violência que insiste em não parar, minuto a minuto, nos pondo em risco. Devemos nos lembrar que a perda de um ente querido será sempre maior que uma futura punição, qualquer que seja. Não obstante, precisamos punir os criminosos sim e com muito rigor. Principalmente os patrões do crime organizado e aqueles que cometem crimes injustificáveis contra a vida. A impunidade é tão nociva quanto o crime. Todavia, é preciso seriedade e compostura na exação punitiva, pois, salvo gratas exceções, apenas os mais pobres sofrem o crivo da justiça. Como no dizer de Victor Hugo “sobre as multidões pesa o duro trabalho e todos os encargos inerentes à sua dependência. Examinai bem essa balança: todos os gozos no prato dos ricos, todas as misérias no prato dos pobres”.
Só poderemos mensurar com justiça os verdadeiros criminosos quando oferecermos condições dignas de vida, à sombra do desespero ninguém é de ninguém. Ao oferecermos educação, saúde, emprego, ou seja, dignidade, estaremos dizendo: você não precisa do crime e se a ele recorrer, estará demonstrando o seu verdadeiro potencial para o mal e sobre você pesará o braço forte da lei.
É impossível uma convivência pacífica entre pessoas tão próximas geograficamente e tão distantes socialmente. Sejam ricos ou pobres todos têm desejos e necessidades. Se não dermos por bem, daremos por mal. Precisamos semear a esperança de que é possível sendo honesto alcançar o seu desiderato. Inadmissível, pois, é nada fazermos e vestidos em hipocrisia fingirmos que fizemos o nosso papel ao condenarmos e segregarmos os que transgrediram a lei, dando continuidade à triste saga do Direito penalizador.
Quem será mais culpado, o inditoso bandido desvalido ou essa sociedade eternamente excludente e cruel? Sociedade com valores inversos, onde o mal é a regra e o bem a exceção. Incontestavelmente, esse é o modelo: buscar o caminho mais fácil, punir por punir. A violência é uma doença grave e difícil de ser curada; ou se previne, ou quase nada poderá se fazer. A verdade é que o problema está na origem, no nascedouro do crime: o desequilíbrio social.
Clara é a necessidade de encurtamos essa enorme distância social entre ricos e pobres, é imprescindível ter equilíbrio entre as camadas sociais, uma melhor distribuição de renda, pois no modelo em que vivemos jamais alcançaremos o fim da violência. Mesmo que se instituam as mais duras penas possíveis (prisão perpétua, pena de morte...), com certeza não teremos o fim da violência, o problema não está apenas no quanto punir, mas sim, e principalmente, no como punir. Uma prova disso é a lei 8.072/90 (lei dos crimes hediondos), há vários anos em vigor e a violência continua em passos largos. Evidentemente, o caminho é outro.
Por fim, devemos gritar por justiça a cada alvor, disseminar a paz e o amor com igualdade social. Despir-se de preconceitos e vaidades, suportar a dor e celebrar a vida.


* é Bacharel em Direito e
Oficial de Justiça de Alagoas
Setembro/2001
(ciceropsfilho@ig.com.br)

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